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O polvo das Astúrias. Uma pequena pescaria com grandes conquistas.

Há dez anos, por volta de 2010, a pesca do polvo no ocidente asturiano era muito diferente daquilo que é hoje. Desde o início do século que existem medidas para controlar a sobrepesca. No entanto, na altura não havia ainda um conhecimento profundo dos pontos fortes e debilidades da atividade e não se explorava comercialmente a imagem da pesca artesanal de baixo impacto. Além disso, a comercialização estava muito pouco diversificada e praticamente todo o polvo desembarcado era vendido a um único comprador. Naquela data e, em parte, devido a esta comercialização ineficiente, os preços variavam muito e a influência dos pescadores na tomada de decisões era muito limitada.

No início desta última década, os pescadores de polvo de quatro portos da região – Puerto de Vega, Ortiguera, Viavélez e Tapia de Casariego – começaram a perceber que, se queriam um futuro digno para si e para os seus descendentes, teriam de apostar na sustentabilidade não só como estratégia diferenciadora face a outras pescarias, mas também como método para garantir a sua atividade profissional. Foi assim que, apoiados pelo grupo de ação local (GAL) de Navia-Porcia, passaram a interessar-se na certificação de pesca sustentável do MSC. Tinham a esperança de que, ao certificarem a sua pescaria de acordo com um padrão tão reconhecido internacionalmente, alguns dos seus problemas pudessem ser resolvidos.

Em setembro de 2013, iniciaram uma pré-avaliação, uma espécie de diagnóstico confidencial para saber se a sua pescaria reunia condições de passar numa avaliação completa do MSC e, portanto, ser certificada. O resultado desta análise foi o primeiro confronto com a realidade. Estavam convencidos de que a sua pescaria era totalmente sustentável, porém, o diagnóstico revelou a existência de aspetos que precisavam de ser melhorados. A partir desse momento, começaram a melhorar os aspetos salientados durante a pré-avaliação e, no final de 2014, iniciaram a avaliação completa.

Este processo durou pouco mais de um ano e revelou que a unidade populacional de polvos nas Astúrias estava em bom estado, que este tipo de pesca tinha um baixo impacto nos outros organismos aquáticos e que era muito respeitadora das espécies protegidas, dos fundos marinhos e do ecossistema. Tornou-se evidente que existiam medidas de gestão suficientes, compatíveis com a sustentabilidade a longo prazo. No entanto, durante o processo também surgiram algumas debilidades: constatou-se que seria necessário investigar mais e criar regras de controlo de capturas que permitissem estabelecer quotas da frota em função dos resultados científicos sobre a abundância de polvos. Veio a lume a inexistência de conhecimento científico suficiente, quer em Espanha quer no resto do mundo, que permitisse avaliar adequadamente as unidades populacionais de espécies de vida curta, como o polvo. Foram identificados desafios e o envolvimento da administração regional asturiana, da qual esta pescaria depende, foi fundamental: foi-lhes solicitado que aprovassem objetivos explícitos de sustentabilidade na sua legislação; que tornassem os processos de tomada de decisões mais transparentes; e que reforçassem o controlo e a luta contra a pesca ilegal na zona.

Em fevereiro de 2016, termina o processo de auditoria e esta pescaria torna-se a primeira do mundo a obter a certificação do MSC para a pesca do polvo. Contudo, carregam às costas a responsabilidade de levar a cabo melhorias constantes ao longo dos cinco anos seguintes.

Durante os últimos anos, a pescaria sofreu uma série de melhorias muito significativas, lideradas pelo Centro de Experimentación Pesquera del Principado. Foram colocados observadores a bordo para solucionar a falta de informação e para confirmar que as interações das armadilhas com outras espécies que não o polvo eram mínimas. Foram instalados sistemas de posicionamento por satélite nas embarcações para a obtenção de mapas e das zonas de pesca mais frequentadas, a fim de melhor determinar a distribuição da espécie e a sua gestão. O regulamento do Governo das Astúrias foi atualizado para incluir expressamente a gestão sustentável a longo prazo como um dos seus objetivos para esta pescaria. A conformidade das embarcações foi melhorada e práticas que antes eram comuns, como transportar mais armadilhas do que o permitido, são agora praticamente inexistentes nestes quatro portos certificados. Foram desenvolvidos esforços consideráveis com um resultado surpreendente na investigação sobre a avaliação das unidades populacionais do polvo das Astúrias, gerando-se novos modelos matemáticos e novos pontos de referência, pioneiros no mundo, que permitem conhecer a abundância da espécie com muito mais fiabilidade.

Desde que a pescaria foi certificada em 2016, a comercialização e o desempenho económico melhoraram significativamente. As associações envolvidas desenvolveram novas formas de venda com a realização de leilões quinzenais ou a longo prazo, adaptados às suas necessidades, em vez das licitações diárias de outrora. Também encontraram novos compradores e, graças à certificação, ganharam acesso a novos mercados internacionais, onde anteriormente não chegavam. Agora, detêm um melhor controlo da oferta, o que resulta numa maior estabilidade dos preços e em lucros mais elevados. Estudos científicos mostraram que estão a vender entre 14% e 25% mais do que outros portos não certificados da região e que, desde a certificação, conseguiram aumentar os preços da primeira venda.[1] Além disso, melhoraram os lucros, pois vendem nas lotas de origem, poupando nos encargos de terem de deslocar o produto para outros mercados. Ao venderem nos seus portos, melhoram a rentabilidade da lota, o que acaba por ter um impacto positivo na comunidade local. Tudo isto fez com que ganhassem uma melhor qualidade de vida e pudessem conciliar a vida profissional e a vida pessoal.

A governação foi outro dos domínios em que se registaram progressos importantes nos últimos anos. As frotas têm agora mais influência na tomada de decisões. Foi formalizada uma «comissão de monitorização do polvo», na qual cientistas, ONGs, o Governo do Principado e pescadores se sentam à mesma mesa para tomar decisões que afetam o setor. Propiciou-se a atribuição de poderes aos pescadores e aumentou a coesão entre eles. Pela primeira vez, as associações de pescadores trabalham em conjunto: em 2017, foi criada a associação ARPESOS para representar os armadores de barcos de pesca do polvo nos quatro portos do ocidente. Além disso, como resultado da experiência e da nova forma de trabalho gerada durante o processo de certificação, foi criada a REDEPESCA, um instrumento para o intercâmbio e a transferência de informação entre o setor das pescas, a comunidade científica e a administração asturiana.

Por último, a imagem da pescaria melhorou de forma muito significativa. Os meios de comunicação fizeram eco desta iniciativa, cujo trabalho tem sido divulgado em comunicados de imprensa, vídeos e reportagens. Os pescadores do ocidente asturiano sentem-se agora orgulhosos da sua forma de pescar, beneficiando do reconhecimento por parte da população e da administração local. De certa forma, foi-lhes concedida uma «licença social» com base na credibilidade e na confiança que a sua atividade gera atualmente no seio da comunidade.

No entanto, há ainda desafios pela frente. Embora as embarcações de outros portos tenham aderido à certificação, ainda falta convencer outras a adotarem esta forma de trabalho; consolidar cada vez mais os novos mercados e a comercialização do produto; conceber regras definitivas para o controlo de capturas e ajudar a transferir estes magníficos resultados para outras regiões da nossa costa.

Do MSC, e neste dia internacional do polvo, o nosso mais sincero reconhecimento a este pequeno grupo de gente do mar que conseguiu alcançar tantas coisas extraordinárias.[i]

Alberto Martín

Responsável de Pescarias MSC de Espanha e Portugal


[1] Fernandez et al. 2020, Evidence of price premium for MSC-certified products at fishers’ level: The case of the artisanal fleet of common octopus from Asturias (Spain)

[i] Para assistir à pescaria ao vivo, clique aqui: https://www.youtube.com/watch?v=DTzEj_q5D0g. Para assistir a uma entrevista aos seus representantes, clique aqui: https://t.co/OFrO0n5IsB?amp=1